Em eras virtuais...um pequeno aperto de mão, um abraço, atos corriqueiros se tornam cada vez mais distantes, onde o ser humano se torna o ser virtual. Confiram um episódio escrito pelo nosso parceiro Túlio em mais um de seus textos que refletem O Manifesto!
Data comemorativa
Sequer respondeu o bom dia
do faxineiro, entrou no escritório sem falar com as senhoras da cantina, se
deixou cair na cadeira macia, dessas que rodopiam e ligou prontamente o notebook
o computador da empresa e deixou o smartphone a postos. As mensagens não
custariam a começar a chegar. Era uma das desvantagens de ser chefe de
departamento, sempre tinha que chegar primeiro que todo mundo, a exceção dos
faxineiros barulhentos que nunca paravam de conversar babuinamente uns com os
outros. Os primeiros funcionários
irromperam pela porta de entrada e repetiram a operação. Sequer olharam para
ele, e começaram a ligar tomadas, botões, monitores, tablets... Logo o andar
inteiro era um luso fusco de telas, cheio de engravatados, e cadeiras macias
que rodopiavam. Tal qual um bando de mudos ninguém falava com ninguém. Só se
ouvia o bater dos dedos nos teclados; tec tec tec. As mensagens logo começaram
a chegar. Por email, por bate papo, por mensagens. Sentiu-se feliz. Parece que
afinal ninguém se esquecera de seu aniversário. Recebeu até um fax colorido,
algo que achou por demais obsoleto, com os dizeres; Muitas felicidades, muitos
anos de vida. Na página online criada no dia anterior para seu aniversario,
toda família compareceu, a exceção das duas tias muito velhas e do avô quase
centenário, e o andar inteiro de funcionários, seus subordinados lhe desejavam
parabéns, davam felizes sinais de satisfação e desejos sinceros de muita saúde,
paz, alegria, essas trivialidades chatas dos aniversários. Até um bolo virtual
tinha na festinha. Sentiu-se feliz.
Sinceridade é cosia difícil hoje em dia. E assim foi o dia inteiro, seus mais
de 1500 amigos virtuais lhe desejavam ótima data festiva, e o saudavam como uma
pessoa muito especial e prestativa, comunicativa. Sempre pronta a ouvir os
outros. Recebeu emails das alçadas mais altas da grande empresa onde
trabalhava. Até seu chefe que morava em outro continente lhe desejou feliz
aniversário. Seu único inconveniente durante o expediente se deu durante o
horário de almoço. Quis ir até um restaurante, desses mais caros para
comemorar, mas chegando lá, se embrenhou em uma luta ferrenha com um executivo
de outra empresa que estava sentado em
uma mesa no canto perto do banheiro. Foi uma discussão violenta, e só cessou
por causa da bateria do celular que descarregou convenientemente quando já
digitava nele insultos dos mais indignos endereçados ao concorrente. Melhor
assim. Terminou de comer não sabia o que, e voltou para o trabalho para receber
novos emails, e tentar esquecer a briga virtual. Tudo transcorreu muito bem
durante o resto do dia. Recebeu até olhares marotos da secretária que
trabalhava no andar de baixo, pois passaram parte da tarde conversando pelo
chat privativo. Só achou estranho, o abraço afetivo que o guarda lhe deu quando
ia embora.
-Que você tenha muitos anos de vida. Disse ele.
Entrou no carro ligou o ar condicionado e partiu. Chegou
em casa e foi surpreendido por uma festa surpresa, preparada pela esposa e pelo
filho de 8 anos. Seus pais estavam lá para lhe proporcionar abraços calorosos e
beijos na bochecha.
Ledo engano. Ele estava cansado demais, havia passado o
dia inteiro sendo paparicado, e estava cansado.
Foi dormir com a cara emburrada, mas não sem antes dar mais uma checada
no smartphone.
Um fato da realidade!
ResponderExcluirTulio, como sempre fala tudo... te dedico a mais toda inteligência do mundo
ResponderExcluirum ótimo conto. Parabéns!
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